Por Cynthia Moleta Cominesi
A segurança alimentar global atravessa um dos momentos mais críticos das últimas décadas, conforme destacado no relatório “O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo”. Com quase 733 milhões de pessoas enfrentando a fome em 2023, os números revelam uma preocupante estagnação e até mesmo um retrocesso em relação aos objetivos estabelecidos pela ONU, especialmente o ODS 2 (Fome Zero), previsto para 2030. O Brasil, com sua vasta capacidade agrícola, emerge como um ator-chave para reverter essa situação, mas o caminho não é sem desafios.
O Contexto Global e o Papel do Brasil
O relatório aponta para um aumento da fome em várias regiões do mundo, enquanto a América Latina, incluindo o Brasil, apresentou uma leve melhora. Esse dado, embora positivo, deve ser analisado com cautela. A leve redução na fome na região é insuficiente frente à magnitude dos desafios globais e às projeções alarmantes para 2030. Aqui, o Brasil, como um dos maiores produtores de alimentos do mundo, tem uma responsabilidade e uma oportunidade única de liderar uma mudança significativa.
O Brasil ocupa uma posição estratégica no combate à fome mundial. Com vastas extensões de terra agricultável e tecnologia avançada em produção agrícola, o país é um dos maiores exportadores de commodities alimentares, como soja, milho e carne. No entanto, para que o Brasil possa realmente ser um líder na segurança alimentar global, é imperativo que o país integre práticas sustentáveis e expanda o acesso a alimentos não apenas para exportação, mas também para garantir a segurança alimentar de sua própria população.
Sustentabilidade e Certificações: O Caminho para a Liderança Global
O Brasil tem a oportunidade de se destacar globalmente não apenas pelo volume de produção, mas pela qualidade e sustentabilidade de seus processos. Certificações ambientais, como a Mesa Redonda sobre Soja Responsável (RTRS) e a Bonsucro para a cana-de-açúcar, são ferramentas essenciais para garantir que a produção brasileira atenda aos mais altos padrões internacionais de sustentabilidade. Essas certificações não só contribuem para a preservação do meio ambiente, mas também abrem portas para mercados que valorizam práticas sustentáveis.
Como profissional com vasta experiência em sustentabilidade no agronegócio, vejo que o fortalecimento dessas certificações no Brasil pode posicionar o país como um modelo de produção sustentável. Isso é especialmente importante em um cenário onde as mudanças climáticas são uma das principais causas da insegurança alimentar. A adoção de práticas agrícolas que minimizem o impacto ambiental é fundamental para garantir a resiliência do setor agrícola brasileiro frente às adversidades climáticas.
Desafios Internos: Da Produção à Distribuição
Embora o Brasil seja um gigante agrícola, a insegurança alimentar ainda é uma realidade para milhões de brasileiros. A má distribuição de alimentos, aliada à pobreza e à falta de políticas públicas eficientes, resulta em um paradoxo onde um dos maiores produtores de alimentos do mundo convive com a fome em larga escala dentro de suas próprias fronteiras.
Para que o Brasil possa exercer uma liderança eficaz na segurança alimentar global, é crucial que resolva seus desafios internos. Isso inclui a implementação de políticas que promovam a segurança alimentar e nutricional, especialmente para as populações mais vulneráveis. Programas de redistribuição de alimentos, incentivos à agricultura familiar e a garantia de acesso a mercados para pequenos produtores são passos importantes nessa direção.
Oportunidades no Mercado de Carbono e Inovações Tecnológicas
Outra frente em que o Brasil pode se destacar é na integração entre produção agrícola e mercado de carbono. Projetos que vinculam a produção agrícola à geração de créditos de carbono são uma oportunidade para que o Brasil se posicione como um líder em soluções inovadoras para a segurança alimentar e a mitigação das mudanças climáticas. Tais iniciativas não só promovem a sustentabilidade, mas também agregam valor aos produtos agrícolas brasileiros no mercado internacional.
Além disso, a inovação tecnológica, com o uso de ferramentas digitais para otimizar a produção e a distribuição de alimentos, pode ser um divisor de águas. O Brasil já é referência em agricultura de precisão, e expandir essas tecnologias para promover práticas sustentáveis e aumentar a eficiência na distribuição pode ser o próximo passo para consolidar sua liderança global.
Conclusão: O Brasil como Protagonista Global
O cenário global de segurança alimentar é alarmante, mas também apresenta uma oportunidade para que o Brasil assuma um papel de protagonista. Combinando sua capacidade de produção com práticas sustentáveis e inovações tecnológicas, o Brasil pode liderar não apenas pela quantidade de alimentos que produz, mas pela qualidade e sustentabilidade de sua produção.
Para que isso aconteça, é fundamental que o país resolva seus desafios internos e se comprometa com uma visão de longo prazo que integra sustentabilidade, inovação e segurança alimentar. O Brasil tem todas as ferramentas para se tornar uma referência global, e o momento de agir é agora. É hora de transformar desafios em oportunidades e garantir que a fome, tanto no Brasil quanto no mundo, se torne uma questão do passado.